segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A indisciplina como aliada
Ela atrapalha e incomoda, mas se for trabalhada de forma adequada pode ajudá-lo a conquistar a turma neste novo ano
Ano novo, novos desafios. O maior deles, provavelmente, é conquistar a turma, fazê-la produzir mais do que o esperado, criar condições para que todos aprendam. Por isso, separamos  duas reportagens para começar as aulas com o pé direito. Veja aqui sugestões para transformar o pátio num verdadeiro ambiente educativo, capaz de reduzir a agressividade dos estudantes e ajudá-los a se tornar mais participativos e menos indisciplinados, o tema desta página.

Como lidar com os grupinhos que não param de conversar e não participam das atividades? E com os que, semana após semana, deixam de fazer a lição? Sem falar nos problemas mais graves, como a falta de respeito dentro da classe, os xingamentos e, o pior, as agressões verbais e físicas. Pesquisa realizada no ano passado pelo Observatório do Universo Escolar, em parceria com o Ministério da Educação, constatou que a indisciplina é uma das causas mais apontadas pelos professores para o fracasso do planejamento inicial.
"A família não impõe limites!" "É a televisão que educa as crianças." "Eles não estão a fim de nada, não têm jeito!" Quantas vezes você já não ouviu (ou proferiu) essas frases? Não há dúvidas de que boa parte do problema passa mesmo pela família, ausente e desestruturada, pelos programas de TV, cada vez mais violentos, e pelo próprio jovem, cujo caráter ainda está em formação. Mas saber disso não resolve o problema. Nesta reportagem, são apontados três caminhos para compreender e resolver a questão: a diferença entre autoridade e autoritarismo, a importância de compreender a necessidade que o jovem tem de se expressar e as vantagens de construir pactos com a garotada (tema também da coluna de estréia de Julio Groppa Aquino). Tudo para transformar a indisciplina em aliada.

Autoridade se constrói

É impossível falar de indisciplina sem pensar em autoridade. E é impossível falar de autoridade sem fazer uma ressalva: ela não é dada de mão beijada, mas é algo que se constrói. Ou seja, ter autoridade é muito diferente de ser autoritário (leia o quadro abaixo). Dizer "não faça isso", ameaçar e castigar são atitudes inúteis. O estudante precisa aprender a noção de limite e isso só ocorre quando ele percebe que há direitos e deveres para todos, sem exceção.
Um professor autoritário...
Um professor com autoridade...
...exige silêncio para ser ouvido;
...conquista a participação com atividades pertinentes;
...pede tarefas descontextualizadas;
...mostra os objetivos dos exercícios sugeridos;
...ameaça e pune;
...escuta e dialoga;
...quer que a classe aprenda do jeito que ele sabe ensinar;
...procura adequar os métodos às necessidades da turma;
...não tem certeza da importância do que está ensinando;
...valoriza o conteúdo de sua disciplina na construção do conhecimento;
...quer apenas passar conteúdos;
...adapta os conteúdos aos objetivos da educação e à realidade do aluno;
...vê o aluno como um a mais.
...vê o aluno como um ser humano.
Ana Kennya Félix, que leciona Língua Portuguesa na Escola Crescimento, em São Luís, dá uma boa amostra de como fazer isso. Certo dia, ela encontrou sua classe de 7ª série em pé de guerra por causa de uma discussão entre os meninos. Um deles desafiou-a a "botar moral". Calmamente, ela pediu que todos se sentassem e deu início a uma conversa sobre o sentido de "moral" (no caso, ordem). "Eles não esperavam esse encaminhamento e o debate serviu para a gente pensar sobre os limites de nossos atos", constata a professora.

Um dos obstáculos mais frequentes na hora de usar o mau comportamento a favor da aprendizagem é uma atitude comum a muitos professores: encarar a indisciplina como agressão pessoal. "Não podemos nos colocar na mesma posição do jovem", adverte Julio Aquino, professor de Psicologia da Educação na Universidade de São Paulo (USP). Quando a desordem se instala, diz ele, é fundamental agir com firmeza. Como fazer isso? Não há fórmulas prontas, mas um bom caminho é discutir o caso com os envolvidos e aplicar sanções relacionadas ao ato em questão.
O professor precisa desempenhar seu papel o que inclui disposição para dialogar sobre objetivos e limitações e para mostrar ao aluno o que a escola (e a sociedade) esperam dele. Só quem tem certeza da importância do que está ensinando e domina várias metodologias consegue desatar esses nós. Maria Isabel Fragoso, professora de História do Colégio Albert Sabin, em São Paulo, sabe que sua disciplina requer muitas aulas expositivas. Mas ela notou que não conseguia atenção suficiente ao falar diante do quadro-negro. A saída foi propor à garotada a criação de encenações sobre alguns períodos históricos. Resultado: o desinteresse e a bagunça logo se transformaram em mais concentração.
Bagunça ou inquietação?

Cintia Copit Freller, professora de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da USP, nos ajuda a compreender essa pergunta. "A indisciplina é uma das maneiras que as crianças e os adolescentes têm de comunicar que algo não vai bem". Por trás de uma guerra de papel podem estar problemas psíquicos ou familiares. Ou um aviso de que o estudante não está integrado ao processo de ensino e aprendizagem. Cerca de 95% dos casos atendidos pelo Serviço de Orientação à Queixa Escolar, coordenado por Cintia, são resolvidos na própria classe. O truque é transformar a contestação em aliada, dando atenção ao jovem e ajudando-o a entender o que o incomoda.
De maneira geral, as escolas consideram rebeldia as transgressões às regras de convivência ou a não adequação a um modelo ideal seja em relação ao ritmo de aprendizagem (bom é quem aprende rápido) seja em relação ao comportamento (só queremos os obedientes). O primeiro passo é tomar consciência de que a inquietação é inerente à idade e faz parte do processo de desenvolvimento e de busca do conhecimento. O segundo, aceitar as diferenças. "A adolescência, em especial, é a fase de descobrir e de testar limites", diz o psicólogo português Daniel Sampaio, autor de Indisciplina: Um Signo Geracional.

Ok, a contestação é natural em crianças e jovens, mas como lidar com ela? Ana Paula Gama, regente de uma turma de 4ª série da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vianna Moog, em São Paulo, conta o que fez para "domar" um garoto tido como o terror em pessoa. "Augusto*, então com 12 anos, era conhecido desde a 1ª série como agressivo e desinteressado. A mãe freqüentemente assistia às aulas a seu lado e ajudava nas lições de casa. Tudo em vão", lembra a professora.

Ana Paula começou a pedir ajuda na arrumação da sala e na distribuição e recolhimento de material. Em pouco tempo, ele tomou a iniciativa de abandonar as carteiras do fundão e a sentar-se na frente. Passou a prestar atenção, a freqüentar as classes de reforço e a oferecer-se para executar as mais variadas tarefas. "Ela incentivou o lado bom do estudante, mostrou que ele pode ser útil", analisa Cintia Freller. Só com carinho e atenção, Ana Paula fez com que Augusto superasse o estigma de aluno-problema.
"Quando há relacionamento afetuoso, qualquer caso pode ser revertido em pouco tempo", afirma Tânia Zagury, psicóloga e pesquisadora em educação. Ana Cely Monteiro da Silva, da Escola Municipal Ciro Pimenta, em Belém, precisou de apenas três meses para incluir Márcio* na turma de 2ª série. Com 13 anos, ele não tinha amigos, ameaçava os colegas e se dizia "do mal". Faltava muito e, quando aparecia, contestava tudo.

Cely sabia que o problema estava em casa. Por ocasião do Dia dos Pais, ela decidiu trabalhar um texto sobre relacionamento familiar. Na hora do debate, Márcio expôs o próprio drama: pai desempregado, alcoólatra e violento. "Ele tinha bom vocabulário e gostava de expor suas idéias", lembra a professora. O passo seguinte foi elogiar as colocações do menino e propor discussões sobre outros temas. Ao ver seus interesses contemplados na classe, o jovem se tornou assíduo e participativo. "Aliar as necessidades de ensino-aprendizagem às preferências da turma é uma estratégia que sempre dá certo", garante Nívea Maria de Carvalho Fabrício, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.
Contrato pedagógico

Finalmente, chegamos ao contrato pedagógico. Como todos os acordos que celebramos na vida (aluguel, casamento etc.), este também é um pacto com aspirações e obrigações. Como escreve Julio Aquino, não se trata de definir o que não é permitido fazer na sala de aula e na escola, mas de abrir um diálogo entre professor e alunos para estabelecer o que é bom para todos e aqui, o exemplo de uma escola talvez não sirva para outra.
"É nossa função dizer à turma tudo o que cabe a ela para facilitar o ensino", diz. "Em contrapartida, devemos mostrar empenho em fazer todos aprenderem. Só assim os jovens encontram sentido nos conteúdos e participam mais."

Com responsabilidade, todos devem dizer o que querem e o que não querem que aconteça neste ano letivo que se inicia. Vale a pena redigir essa carta de intenções. Pode chamar de contrato mesmo, ou de combinado. As regras podem valer para o ano todo ou para uma atividade específica. Como em todo diálogo, esse também pressupõe a possibilidade de rever posições, se necessário. Assim, todos vão incorporar e cumprir as normas de conduta. E a indisciplina, que antes incomodava, se transforma numa grande aliada.
Como enfrentar os "rebeldes"
Esqueça a imagem do aluno "ideal";
Observe a criança e o grupo com atenção;
Procure criar situações, com histórias ou brincadeiras, que levem a turma a refletir sobre o comportamento de um ou mais colegas, sem expô-los;
Converse com os que atrapalham a aula, ouvindo suas razões;
Não abra mão do objeto de seu trabalho, que é o conhecimento;
Não rotule o aluno, em hipótese alguma;
Diferencie as aulas, evitando rotinas;
Esclareça as conseqüências para a aprendizagem das atitudes consideradas inadequadas;
Lembre-se de que os conteúdos podem ser atitudinais, e não apenas factuais e conceituais.
 fonte: revista nova escola

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